A Gratidão, by Camilo Castelo 
Branco 
 
The Project Gutenberg EBook of A Gratidão, by Camilo Castelo 
Branco This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and 
with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away 
or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included 
with this eBook or online at www.gutenberg.net 
Title: A Gratidão 
Author: Camilo Castelo Branco 
Release Date: November 6, 2007 [EBook #23345] 
Language: Portuguese 
Character set encoding: ISO-8859-1 
*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A 
GRATIDÃO *** 
 
Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public 
domain material from Google Book Search) 
 
A GRATIDÃO. 
* * * * *
A GRATIDÃO. 
ROMANCE. 
I. 
Estavamos nos ultimos dias de Dezembro de 1846. Uma camada mui 
espessa de neve cobria o sólo. O ar, sombrio e carregado, indicava que 
mais neve não tardava a cahir. Os ramos nús das arvores dos montes 
tremiam soprados pelo vento norte gelado. Estava tudo n'um perfeito 
socego, e tristeza; nem o mais leve murmurio se ouvia. 
Uma velha, e uma criancinha, apesar do rigor do frio, seguiam com 
difficuldade o caminho, que da serra de Vallongo conduz a S. Cosme. 
A criança, d'espaço a espaço, soprava ás mãosinhas inteiriçadas pelo 
frio, e não se podendo sustentar sobre os pés, que tinha inchados pelas 
frieiras, caminhava vacillante; mas vencendo todos os obstaculos, com 
uma energia superior á sua idade, tomava galhardamente o seu lugar ao 
lado da velha. Esta parecia ter sessenta annos. Estava corcovada mais 
pela miseria, do que pela idade, e tinha no rosto profundas rugas. Pelo 
modo como andava, e tateava o caminho com a mulêta, via-se que era 
cega. 
--Aonde vamos nós, Rosa?--perguntou a velha á rapariguinha. 
--Em meio caminho, minha avó. 
--Jesus Senhor, valei-me,--disse a cega,--pois que as minhas pobres 
pernas já estão cançadas, e parece-me que não chego ao fim da jornada. 
--Encoste-se ao meu hombro, avósinha, que eu não estou cançada. 
--Não, não. Tudo está acabado. Eu morro aqui, Rosinha. Tenho muita 
fome, e muito frio para vencer o caminho até S. Cosme. Ai meu Pai do 
céo, que me sinto desfallecer... 
Fez um gesto de desespero, e a cega cahiu sobre o caminho.
--Avósinha, avósinha,--gritava Rosa assustada,--volte a si, que lh'o 
peço eu; mais um pequeno esforço e chegaremos a S. Cosme. 
A cega não deu accordo de si. 
--Avósinha,--continuou Rosa chorando, e cobrindo-a de beijos,--se me 
abandona, que hei-de fazer? Quer que eu morra de paixão? 
--Morrer, tu, minha Rosinha,--disse a cega levantando-se.--Oh! meu 
Deus, não permittaes tal. 
--Então levante-se que lh'o peço eu; se fica aqui mais tempo o frio 
matal-a-ia. Em S. Cosme nos aqueceremos. 
--Ai de mim,--disse a cega, levantando-se ajudada de Rosa,--e a snr.^a 
D. Thereza receber-nos-ha? 
--Ha-de receber sim, minha avósinha, eu lh'o afianço. Não creio que a 
boa snr.^a D. Thereza nos despeça. Quando eu lhe ia vender flôres 
silvestres, que apanhava no monte, abraçava-me, e dizia-me muitas 
vezes, que desejava que eu fosse sua filha. 
--Não duvido que ella te receba, porque és muito linda e agradavel; 
agora o que eu não creio é que me receba a mim, que sou uma velha e 
cega, que para nada sirvo. 
--Se assim acontecer, voltaremos á nossa aldêa, e os bons lavradores, 
que conheceram meus paes, terão piedade de nós, soccorrer-nos-hão, e 
eu trabalharei para lhes pagar, o que elles vos derem. 
A avó, muito commovida, apertou ao coração a pequena, e murmurou 
palavras de ternura e gratidão; e reanimada por esta felicidade, que 
Rosa lhe tinha feito experimentar, retomou com passo mais firme o 
caminho de S. Cosme. 
O vento soprava já com mais força; o ar tinha escurecido mais, e 
pequenos flocos de neve se viam voltejar no ar. Rosa, tiritando com frio, 
fazia esforços sobrehumanos para poder andar, e cada passo, que a
pobre cega dava, era acompanhado d'um suspiro surdo. O vento 
augmentou, e os flocos de neve, que ao principio eram raros, cahiam 
em maior abundancia. 
--Rosinha,--disse a cega,--bem queria andar, mas não posso; deixa-me 
ficar. 
--Avósinha, eu já avisto a torre da igreja de S. Cosme. 
--Estás bem certa d'isso? 
--Eu não queria mentir... 
--Vamos andando. Permitta Deus que eu possa vencer o caminho. 
--Não tenha receio de me cançar, minha avó; sou forte, e não estou 
fatigada. Encoste-se ao meu hombro. 
--Meu querido anjinho, que Deus te pague tudo o que me fazes. 
Chegaram finalmente a S. Cosme, á quinta de D. Thereza de Sousa, 
depois de mil esforços, que cançaram completamente avó e neta. 
Era tempo; mais um instante e teriam cahido ambas no chão. Entrando 
na cozinha da casa, o calor produziu-lhes uma reacção tão violenta, que 
desfalleceram. 
II. 
D. Thereza de Sousa, e mais algumas visinhas, que se tinham reunido 
para serandar, acercaram-se das duas infelizes. Depois de    
    
		
	
	
	Continue reading on your phone by scaning this QR Code
 
	 	
	
	
	    Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the 
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.
	    
	    
