havia um 
anno, a symbolia rapsodica do cerco de Troia, n'uma vasta composição, Helena 
Devastadora... 
Eu coçava a barba: 
--Não, Jacintho, não... Eu venho de Guiães, das serras; preciso entrar em toda esta 
civilisacão, lentamente, com cautella, senão rebento. Logo na mesma tarde a electricidade, 
e o conferençophone, e os espaços hypermagicos e o feminista, e o ethereo, e a symbolia 
devastadora, é excessivo! Volto ámanhã. 
Jacintho dobrava vagarosamente a sua carta, onde mettera sem rebuço (como convinha á 
nossa fraternidade) duas violetas brancas tiradas do ramo que lhe floria o peito. 
--Ámanhã, Zé Fernandes, tu vens antes d'almoço, com as tuas malas dentro d'um fiacre, 
para te installares no 202, no teu quarto. No Hotel são embaraços, privações. Aqui tens o 
telephone, o teatrophone, livros... 
Acceitei logo, com simplicidade. E Jacintho, embocando um tubo acustico, murmurou: 
--Grillo! 
Da parede, recoberta de damasco, que subitamente e sem rumor se fendeu, surdio o seu 
velho escudeiro (aquelle moleque que viera com _D. Gallião_), que eu me alegrei de 
encontrar tão rijo, mais negro, reluzente e veneravel na sua tesa gravata, no seu collete 
branco de botões de ouro. Elle tambem estimou vêr de novo «o siô Fernandes». E,
quando soube que eu occuparia o quarto do avô Jacintho, teve um claro sorriso de preto, 
em que envolveu o seu senhor, no contentamento de o sentir emfim reprovido d'uma 
familia. 
--Grillo, dizia Jacintho, esta carta a Madame de Oriol... Escuta! Telephona para casa dos 
Trèves que os espiritistas só estão livres no domingo... Escuta! Eu tomo uma douche 
antes de jantar, tepida, a 17. Fricção com malva-rosa. 
E cahindo pesadamente para cima do divan, com um bocejo arrastado e vago: 
--Pois é verdade, meu Zé Fernandes, aqui estamos, como ha sete annos, n'este velho 
Paris... 
Mas eu não me arredava da mesa, no desejo de completar a minha iniciação: 
--Oh Jacintho, para que servem todos estes instrumentosinhos? Houve já ahi um 
desavergonhado que me picou. Parecem perversos... São uteis? 
Jacintho esboçou, com languidez, um gesto que os sublimava.--Providenciaes, meu filho, 
absolutamente providenciaes, pela simplificação que dão ao trabalho! Assim... E apontou. 
Este arrancava as pennas velhas; o outro numerava rapidamente as paginas d'um 
manuscripto; aquell'outro, além, raspava emendas... E ainda os havia para collar 
estampilhas, imprimir datas, derreter lacres, cintar documentos... 
--Mas com effeito, accrescentou, é uma sécca. Com as molas, com os bicos, ás vezes 
magoam, ferem... Já me succedeu inutilisar cartas por as ter sujado com dedadas de 
sangue. É uma massada! 
Então, como o meu amigo espreitára novamente o relogio monumental, não lhe quiz 
retardar a consolação da douche e da malva-rosa. 
--Bem, Jacintho, já te revi, já me contentei... Agora até ámanhã, com as malas. 
--Que diabo, Zé Fernandes, espera um momento... Vamos pela sala de jantar. Talvez te 
tentes! 
E, através da Bibliotheca, penetramos na sala de jantar,--que me encantou pelo seu luxo 
sereno e fresco. Uma madeira branca, laccada, mais lustrosa e macia que setim, revestia 
as paredes, encaixilhando medalhões de damasco côr de morango, de morango muito 
maduro e esmagado: os aparadores, discretamente lavrados em florões e rocalhas, 
resplandeciam com a mesma lacca nevada: e damascos amorangados estofavam tambem 
as cadeiras, brancas, muito amplas, feitas para a lentidão de gulas delicadas, de gulas 
intellectuaes. 
--Viva o meu Principe! Sim senhor... Eis aqui um comedoiro muito comprehensivel e 
muito repousante, Jacintho! 
--Então janta, homem!
Mas já eu me começava a inquietar, reparando que a cada talher correspondiam seis 
garfos, e todos de feitios astuciosos. E mais me impressionei quando Jacintho me 
desvendou que um era para as ostras, outro para o peixe, outro para as carnes, outro para 
os legumes, outro para as fructas, outro para o queijo! Simultaneamente, com uma 
sobriedade que louvaria Salomão, só dois copos, para dois vinhos:--um Bordeus rosado 
em infusas de crystal, e Champagne gelando dentro de baldes de prata. Todo um aparador 
porém vergava, sob o luxo redundante, quasi assustador d'aguas--aguas oxigenadas, 
aguas carbonatadas, aguas phosphatadas, aguas esterilisadas, aguas de saes, outras ainda, 
em garrafas bojudas, com tratados therapeuticos impressos em rotulos. 
--Santissimo nome de Deus, Jacintho! Então és ainda o mesmo tremendo bebedor d'agua, 
hein?... Un aquatico! como dizia o nosso poeta chileno, que andava a traduzir Klopstock. 
Elle derramou, por sobre toda aquella garrafaria encarapuçada em metal, um olhar 
desconsolado: 
--Não... É por causa das aguas da Cidade, contaminadas, atulhadas de microbios... Mas 
ainda não encontrei uma bôa agua que me convenha, que me satisfaça... Até soffro sêde. 
Desejei então conhecer o jantar do Psychologo e do Symbolista--traçado, ao lado dos 
talheres, em tinta vermelha, sobre laminas de marfim. Começava honradamente por 
ostras classicas, de Marennes. Depois apparecia uma sopa d'alcachofras e ovas de carpa... 
--É bom? 
Jacintho encolheu desinteressadamente os hombros: 
--Sim... Ea não tenho nunca appetite, já ha tempos... Já ha annos. 
Do outro prato só comprehendi que    
    
		
	
	
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