Os Sinos | Page 3

Raul Proença
o cru punhal da Intriga.
A Intriga é essa mulher que ao cisne que descreve
Um sulco encantador?No lago, branco e leve,?Tenta com mancha escura enodoar-lhe a c?r,
E transformada em neve?é a geada que queima a delicada fl?r.
Leonor endoideceu, ent?o, cheia de magua,?Na janella, a sonhar... a cantar... a chorar...?E vinham-lhe ao olhar per'las de sangue e d'agua?Quando ouvia na torre os sinos a tocar.
E empalidecia a incomparavel face,
Essa ideal belleza,?Como uma ave azul que se afogasse?Em ondas de loucura e de tristeza.
Dizia ent?o:
?Lá v?o nos coches os casados,?Cheios de luz na fronte e resplendente o olhar...?Vejo-os... Vejo-os unir os labios orvalhados,?Como lindos rubis, mimosas per'las
Num unico colar!?Virgem, tu que sofreste a tragica Paix?o,
Com os peitos golpeados,?Tirae-me o cora??o,?Arrancai-m'o aos bocados!?Viste o heroico Jesus, o Propheta incan?avel?Nos bra?os d'uma Cruz, Olimpica Rainha,?E apesar d'essa d?r enorme e incomparavel?N?o sei qual foi maior, se a tua d?r, se a minha!?Perdi o noivo! e eu quiz que nunca mais bradasses?Na tua bronzea voz! ó Sino, que irris?o!?P'ra que os Sinos ouvir, a annunciar enlaces,
Se para mim n?o tocam...?Nem nunca tocar?o!?
Tinha acabado a doida de fallar,?Doida gentil de olhos azues e vagos,?Tendo na fixidez macia do olhar?A immobilidade terna e mistica dos lagos.
E os sinos do mosteiro, alem, fortes, vibrantes,?Espalhavam no ar notas bruscas, ligeiras,?Claras como cristaes, vivas como diamantes,?E como o desfraldar de sonoras bandeiras.
Tudo se agita em espanto e a villa inteira corre,?Os homens, as mulheres, os r?tos pequeninos?Ao sentirem cair, cristalina, da torre,?A chuva torrencial do repique dos sinos.
Leonor ouvia, ouvia, a chorar e a tremer,?Aquêles sons joviaes dos sinos a tocar.?Era a primeira vez que alegres os viu ser,?E era a primeira vez que os ouvia a chorar!
E emquanto o sino ria esses risos saudaveis?Das crean?as gentis, dos anjos pequeninos,?A agua viu cair dos olhos adoraveis?Na alacridade vaga e mistica dos sinos.

De repente, saiu da igreja uma donzella,?Vestida a seda azul, numa expans?o inteira,?E Leonor estendia o corpo na janella,?Ao ver-lhe no cabêlo a fl?r de laranjeira.
E era uma mulher que deixava confusas?Todas as aten??es, em muda admira??o,?Tinha o cabêlo negro e a c?r das andaluzas,?Tinha no olhar do Sonho a magica atrac??o.
Do seu corpo harmonioso, elastico, flexivel,?Emanava uma essencia etherea, imponderavel,?Como emana, em fragor penetrante, invencivel,?Um perfume subtil d'uma seda impalpavel:
Tinha a ardente magia?--Das sereias gentis da Andaluzia,--
Que têm gestos sublimes,?E meneios risonhos?Tinha a flexibilidade elastica dos vimes
E a estrutura diáfana dos sonhos.
Nos grandes olhos doces,?Lindos como dois céus, negros como dois crimes,
Relampejantes, humidos, quebrados,?Guadalquivires dormentes, socegados,
Vastos como horisontes,?Tinha da Andaluzia a Alhambra, os eirados,
Os famosos jardins embalsamados,?Onde amavam mulheres e murmuravam fontes.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Depois saiu o noivo, e ó Crueldade ignara,?Irradiára a raz?o nos olhos de Leonor,?E a grande fl?r divina, a fl?r mimosa e rara?Reconheceu no noivo o seu primeiro amor.
Caminhavam os dois, gloriosos, triunfaes,?Rodeados d'uma aureola etherea, luminosa,?Entre os alegres sons dos sinos festivaes,?Numa expans?o d'amor profunda e victoriosa.
Pelo bra?o um do outro, altivos, orgulhosos,?Iam cheios de gloria e cheios de esplendores,?Inundava-os o sol em beijos luminosos?E as crean?as, sorrindo, atiravam-lhes fl?res.
E no tragico assombro, a triste doida ent?o,?A pobre bella e Santa, a timida Leonor,?Sentiu despeda?ar-se o terno cora??o?No convulso derruir titanico da D?r.
No olhar lhe fusilou uma colera santa,?Recup'rára a Raz?o para perder a Vida,?Saiu-lhe uma blasfemia ardente da garganta,?Cambaleou afinal, como se fosse ferida,
Deu tres ou quatro passos,?Estendeu em convuls?es galvanicas os bra?os,
E abrindo, sufocada, a baixa porta,
Sem um ai nem um beijo,?Veiu cair exanime, já morta,
No meio do cortejo.

Ouviram-se ent?o sons plangentes e divinos?De dobres, de sinaes de luto e de viuvez.?Era a toada melancolica dos sinos?Por Leonor a tocar pela primeira vez.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Quantas de vós tambem, lindas crean?as,?Que architectaes angelicas esperan?as
No vosso cora??o,?N?o ides perfumar as sepulturas,?Co'as frontes virginaes, as fórmas puras,?No pequenino leito d'um caix?o!
Pensai: quantas de vós ouvis os sinos
Em desejos divinos,?Em ilus?es celestes,?Para num dia puro, luminoso,
Cingindo as alvas vestes,?Serdes levadas pelos sons dos sinos?Para os canteiros d'um jardim frondoso
De rosas e cyprestes!
E vós ides, extaticas, inermes,?Contrahir os funéreos esponsaes: ...?Sugar-vos-h?o o peito os frios vermes,?Ter?o comvosco amores os vegetaes.
End of the Project Gutenberg EBook of Os Sinos, by Raul Proen?a
? END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK OS SINOS ***
? This file should be named 22723-8.txt or 22723-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in:
? http://www.gutenberg.org/2/2/7/2/22723/
Produced by Vasco Salgado
Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed.
Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 7
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.