Os Pobres

Raul Brandão
Os Pobres, by Raul Brandão

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Title: Os Pobres
Author: Raul Brandão
Contributor: Guerra Junqueiro
Release Date: March 17, 2007 [EBook #20841]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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POBRES ***

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OS POBRES

OBRAS DO AUCTOR
A ARVORE:
I--Historia d'um palhaço. II--Os pobres. III--Raizes (em preparação).
ROMANCE:
A Farça.
THEATRO:
(De collaboração com Julio Brandão)
A noite de Natal, drama em 3 actos, representado no theatro de D.
Maria II.

RAUL BRANDÃO
OS POBRES
Precedido de uma Carta-Prefacio de GUERRA JUNQUEIRO
LISBOA EMPREZA DA HISTORIA DE PORTUGAL SOCIEDADE
EDITORA Livraria Moderna, R. Augusta, 95 | Typographia R. Ivens,
45 e 47 1906

CARTA--PREFACIO
Meu bom amigo:
O seu livro é a historia patetica d'uma alma. Qual? A do Gebo, a de
Luiza, a de Sophia, a da Mouca, a dos Pobres emfim? Não. A sua.
Historias diversas, que se resumem n'uma historia unica: a da sua alma,
transitando almas, a da sua vida, percorrendo vidas. Autobiografia

espiritual, dilacerada e furiosa, demoniaca e santa, blasfemadora e
divina. Confissão verdadeira, plena, absoluta d'um organismo que sente
a musica mysteriosa do universo, d'um coração que repercute a dôr
eterna da natureza, mas que só ao cabo de oscilações, duvidas e
desanimos, coordena a idealidade do ser com as aparencias do ser, o
espirito com as formas, o Deus,--amor e beatitude, com a
materia,--crime e soffrimento.
Não vejo diante de mim um poema esteril, obra dos sentidos, da
imaginação e da volupia. Vejo um acto profundo, espontaneo,
d'imensidade religiosa. O homem que se confessa abala-me e
deslumbra-me. Não a confissão mentirosa, a confissão vulgar, da boca
que tem dentes, para o ouvido que tem sombras. Não a
confissão-analise, a confissão dos criticos, rol de inteligencia, catalogo
de ideias. Mas a esplendida confissão das almas vertiginosas,
desagregando-se, transidas de eternidade e de mysterio. Como o fogo
devorador dissocia o rochedo, ha lavaredas ignotas que dissociam as
almas. E, se taes almas se desdobram, a natureza denuncia-se. O
homem é um resumo ideal da natureza. Andou o infinito, e lembra-se;
andará o infinito, e já o sonha. Quando o genio explue, conta-nos a
natureza a sua historia. O genio supremo é o santo. O verbo do santo,
eis a lingua clara do universo.
As confissões augustas são as dos poetas e dos santos. No homem
vulgar a personalidade rigida encarcera e coalha as personalidades
volateis e difusas. O inconsciente imenso não acorda, porque está,
como um aroma, dentro d'um bloco duro, impenetravel. É o sonho
captivo n'um ovo hermetico de bronse. As almas emotivas dos grandes
visionarios, essas conservam aquella graça radiante, aquella
omnipresença espiritual, que as deixa embeber, mover, existir na
fraternidade cosmica e divina. O sonhador dos Pobres é um evocador
atormentado e religioso. Busquei no seu livro a imagem ardente da sua
alma. Vamos vêr se a desenho com rapidez e precisão.
Alma vibratil e fugaz, olhando a natureza, o que sentiu? Assombro,
esplendor, pavor, enigma, deslumbramento. Tudo vive, deseja,
estremece, palpita, murmura e sonha. Tudo vive, tudo vive: o homem, a

féra, a rocha, o lodo, a agua, o ar, braseiros de mundos, aluviões de
nebulosas, incorporeidade genesica do ether. Fervedoiro de vidas
insondavel, que o tempo não exgota, porque a morte creadora
continuamente o desorganisa e reproduz em formas novas e diversas. E
todas se cruzam, beijam, penetram, correspondem. É uma teia
vertiginosa de fios sem fim, de fios moveis, ondeantes, cambeantes,
urdindo-se ella mesma, na eternidade impenetravel, sem ninguem ver o
tecelão. Rigidez, solidez, inercia, não existem. Na fraga mais dura, no
bronse mais compacto circulam desejos, dramas, turbilhões de
moleculas e vontades. As cordilheiras inabalaveis são redemoinhos
dentro de enxovias. O concreto dilue-se, o material evapora-se. O sol
tombando, aniquilaria cardumes de planetas, e a lua do sol, que é sol
volatilisado, pesa menos que uma folha de rosa na mão d'uma creança.
Em cada bloco metalico latejam oceanos dormentes, de vagas fluidas,
invisiveis. Acordem-n'os, e o bloco obtuso, electrisado, irradia no ether.
Vêde um penedo monstruoso: Parece firme. Desagregou-se, e é lama; a
raíz tocou-lhe e é seiva; a seiva gerou, e é flor e é fructo; o fructo,
alimento; o alimento sangue; e o sangue vermelho, corpo que caminha,
carne que fala, cerebro que pensa. Natureza! universo!... Vidas
infindaveis eternamente circulando n'uma vida unica. Assombro,
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