Novelas do Minho | Page 2

Camilo Castelo Branco
do rio, ao cheiro sulphuroso e at�� sulphydrico da ?Lameira?.
O grupo compunha-se de pessoas de diversas procedencias:
D. Helena da Penha, chamada na sua terra a Morgada velha. Cincoenta e tantos annos, viuva do capit?o-m��r de Athey, educada em convento, murmurando da educa??o e dos costumes do claustro, d'onde sahira com incertos conhecimentos do cathecismo, e alguma instruc??o em bisca sueca, e no Feliz independente do padre Theodoro d'Almeida. Excellente senhora que se conteve viuva desde os trinta e dois annos vi?osos e temperados sanguinamente para n?o dar padrasto �� filha unica.
D. Irene, a Morgada nova, vinte e sete annos, galante, mais menina que a sua idade, cheia de denguices, amimada, acrian?ando-se em tregeitos e dizeres, descompondo os artificios pueris com uns ares de desgarro e desinvoltura--em bom sentido, ali��s.
Decerto j�� observou, leitor, em senhoras de provincia um desembara?o bronco, um remecherem-se e bacharellarem despropositadamente,--desaires resultantes de lhes haverem dito que o pejo e o acanhamento s?o indicios de educa??o alde?. Estes desp��jos improvisados sem delicadeza nem natural, quando topam diversa sociedade em praias ou caldas, d?o-lhes ares do que n?o s?o, e abrem margem a suspeitas indecorosas; por que ellas, com taes artes, conseguem desornar-se dos commedimentos do pudor.
D. Irene era assim. Depois veremos o que ella era mais compridamente.
Direi agora dos cinco sugeitos do grupo.
O abbade de Santa Eulalia, passante da meia idade, pag?o em litteratura, mestre de latim no seu concelho de Cabeceiras. Citava Virgilio apropositadamente. Quando alguem se dizia regalado com a frescura do salgueiral, declamava um trecho das ��glogas em que havia s��lices. Ao sentar-se na corcova do tronco retorcido de um amieiro, exclamava sempre, sibilando as delicias do meio-grosso: sub tegmine. Tinha rheumatismo e contava muitos cazos milagrosos d'aquellas aguas, e outros cazos de amores que alli passaram, quando elle acompanhava sua m?e, no tempo em que as senhoras de Cabeceiras de Basto por la faziam (dizia elle) o seu S. Miguel d'amor. Em cavaco de homens, gretava-lhe a indole, e declarava-se o personagem ou protogonista dos cazos attribuidos a terceira pessoa em prezen?a das morgadas. Honestava com cita??es de Ovidio (Ars amandi-passim) a lubricidade dos peccados da sua juventude: e dizia com unc??o de velhaco: Delicta juventutis meoe, suspirando. ��s vezes, encontrando senhoras sertanejas de Basto, acotovelava o companheiro de passeio, e murmurava: ?Aqui vem uma das taes?--Uma das taes vinha a ser uma das suas amadas, de 1825, a sylphide que elle havia ensinado a dan?ar o minuete e a gavota com outras prendas, e n?o dava agora, no pizar coixo e na gordura f?fa, o minimo vislumbre de ter sido sylphidica e bastante leveira para o gingar picado da gavota. ?Est�� como eu? dizia o abbade.
............................. Mudado como eu, como ella, Que a vejo sem conhec��l-a!...
Cantava Garrett de uma das suas estrellas cadentes. O abbade, ao menos, conhecia-as, embora enrocadas em tecido adiposo, e remo?ava-as na sua imagina??o saudosa, alindando-as com o colorido escarlate da paix?o. Bom e discreto conversador, se a materia obrigava �� seriedade: philosopho ecletico, alegre, rijo de estomago, cabralista por amor da ordem, e herege, por que negava que o Espirito-Santo concorresse ao Concilio Tridentino. Em sciencias ecclesiasticas, ignorantissimo por livre vontade e voto deliberado. Eis o abbade de Santa Eulalia.
Alvaro de Abreu, da estirpe dos Abreus de Regalados, filho segundo da caza e Honra de S. Gens, em Refojos de Basto, bacharel em direito, vinte e nove annos, compacto de carnes, barba?udo, cara plebea, esbatida nas proeminencias malares, testa descantoada e pilosa at�� aos arcos das sobrancelhas. Annel de ouro com armas: em campo vermelho cinco azas de ouro sanguineas nas cortaduras postas em sautor; timbre, uma aza identica. As mesmas armas na cigarreira de prata, e nos bot?es dos punhos, e na amethysta dos berloques antigos, pendentes em chatelaine do coz das cal?as. Tinha cavallo, e lacaio fardado de azul com guarni??es escarlates, botas de picaria com prateleira e espora amarella encorreada de branco. Era intelligente como a maioria dos bachareis formados, e talvez mais. Em Coimbra, dado que n?o versejasse, era da roda do Couto Monteiro, do Luiz de Bessa Correia, do Jo?o de Lemos, do brazileiro Gon?alves Dias, do Lima poeta e de Evaristo Basto. Recitava sentimentalmente ��s morgadas os sol��os dos irm?os Serpas; e as parodias do Bessa e Couto Monteiro.
Cabula minha pachorrenta e gorda Quem d'entre as folhas te espremeu dos livros!
Ou ent?o, o cazo da castellan que desafogava saudades
........................ tangendo no mandolim, e a chorar dizia assim: ?�� fado que foste fado, �� fado que j�� n?o ��s!
Cito de memoria, pouco fiel n'estas coisas conspicuas.
Da convivencia d'aquelles rapazes ficou lhe um verniz epigrammatico. Flagellava os padres do seu sitio com chala?as, era mais fino nos remoques ao cirurgi?o, e fizera mudar de terra o boticario, com quem se inimis��ra inexoravelmente desde que elle, por causa d'umas elei??es municipaes, solemnisadas a arrocho,
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