Livro de Máguas

Florbela Espanca
A free download from www.dertz.in

The Project Gutenberg EBook of Livro de Máguas, by Florbela
Espanca
This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

Title: Livro de Máguas
Author: Florbela Espanca
Release Date: January 25, 2006 [EBook #17610]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
0. START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK LIVRO DE
MÁGUAS ***
Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
Proofreading
Team at http://www.pgdp.net
(This file was
produced from images
generously made available by National
Library of Portugal
(Biblioteca Nacional de Portugal).)
FLORBELA ESPANCA
Livro de Máguas
MCMXIX
LIVRO DE MÁGUAS
FLORBELA ESPANCA
LIVRO DE MÁGUAS

MCMXIX
A meu Pai
Ao meu melhor amigo
Á querida Alma irmã da minha,
_Ao meu Irmão_
Procuremos sòmente a Beleza, que a vida
É um punhado infantil de
areia resequida,
Um som dágua ou de bronze e uma sombra que
passa...
Eugénio de Castro.
Isolés dans l'amour ainsi qu'en un bois noir,
Nos deux coeurs, exalant
leur tendresse paisible,
Seront deux rossignols qui chantent dans le
soir.
Verlaine.
*Êste livro*...
ÊSTE LIVRO...
Êste livro é de máguas. Desgraçados
Que no mundo passais, chorae
ao lê-lo!
Sòmente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo...
e compreendê-lo...
Este livro é p'ra vós, Abençoados
Os que o sentirem, sem sêr bom
nem belo!
Bíblia de tristes... Ó Desventurados,
Que a vossa imensa
dôr se acalme ao vê-lo!
Livro de Máguas... Dôres... Ansiedades!
Livro de Sombras...
Névoas... e Saudades!
Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...)

Irmãos na Dôr, os olhos razos de agua,
Chorae comigo a minha
imensa mágua,
Lendo o meu livro só de máguas cheio!...
*Vaidade*
VAIDADE
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,

Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a
imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E
que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de
alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguem cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e
profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!
E quando mais no ceu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando
voando,
Acordo do meu sonho...
E não sou nada!...
*Eu*...
EU...
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem
norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a
dolorida...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e
forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre
incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguem vê...
Sou a que chamam triste sem o
sêr...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguem sonhou,
Alguem que veio ao mundo
p'ra me vêr,
E que nunca na vida me encontrou!
*Castelã da Tristêsa*
CASTELÃ DA TRISTÊSA
Altiva e couraçada de desdem,
Vivo sòsinha em meu castelo: a Dôr!

Passa por êle a luz de todo o amôr....
E nunca em meu castelo
entrou alguem!
Castelã da Tristêsa, vês?... A quem?!...
--E o meu olhar é
interrogadôr--
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr...
Chora o
silêncio... nada... ninguem vem...
Castelã da Tristêsa, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de
oras,
Á sombra rendilhada dos vitrais?...
Á noite, debruçada p'las ameias,
Porque rezas baixinho?... Porque
anseias?...
Que sonho afagam tuas mãos reais?...
*Tortura*
TORTURA
Tirar dentro do peito a Emoção,
A lucida Verdade, o Sentimento!

--E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao
vento!...
Sonhar um verso d'alto pensamento,
E puro como um rythmo
d'oração!
--E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho
dum momento!...
São assim ôcos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavaes
dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me déra encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte,
extranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!
*Lágrimas ocultas*
LÁGRIMAS OCULTAS
Se me ponho a scismar em outras éras
Em que ri e cantei, em que era
qu'rida,
Parece-me que foi noutras esféras,
Parece-me que foi numa
outra vida...
E a minha triste bôca dolorida
Que dantes tinha o rir das primavéras,

Esbate as linhas graves e severas
E cae num abandôno de
esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum
lago
O meu rôsto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguem as vê brotar dentro
da alma!
Ninguem as vê cair dentro de mim!
*Torre de névoa*
TORRE DE NÉVOA
Subi ao alto, á minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E
puz-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.
Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do
meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então:
«Que fantasia,
Creança doida e crente! Nós tambêm
Tivemos ilusões, como
ninguem,
E tudo nos fugiu, tudo morreu!...»
Calaram-se os poetas, tristemente...
E é desde então que eu choro

amargamente
Na minha Torre esguia junto ao
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 8
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.