Livro de Mágoas | Page 2

Florbela Espanca
então que eu choro
amargamente
Na minha Torre esguia junto ao Céu!...
*A minha Dor*
A MINHA DOR
_A Você_
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras,
arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum
requinte escultural.
Os sinos têm dobres d'agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E
todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de
martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e
choro!
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
*Dizeres íntimos*
DIZERES ÍNTIMOS
É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos,
penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento
da Saudade!
E logo vou olhar (com que ansiedade!...)
As minhas mãos esguias,
languescentes,
De brancos dedos, uns bebés doentes
Que hão de
morrer em plena mocidade!
E ser-se novo é ter-se o Paraíso,
É ter-se a estrada larga, ao sol,

florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!
E os meus vinte e três anos... (Sou tão nova!)
Dizem baixinho a rir:
«Que linda a vida!...»
Responde a minha Dor: «Que linda a cova!»
*As minhas Ilusões*
AS MINHAS ILUSÕES
Hora sagrada dum entardecer
D'Outono, à beira mar, cor de safira.

Soa no ar uma invisível lira...
O sol é um doente a elanguescer...
A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,

A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!
O sol morreu... e veste luto o mar...
E eu vejo a urna d'oiro, a baloiçar,

À flor das ondas, num lençol d'espuma!
As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna d'oiro,

No Mar da Vida, assim... uma por uma...
*Neurastenia*
NEURASTENIA
Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim, Avé
Marias!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça
rendas de Veneza...
O vento desgrenhado, chora e reza
Por alma dos que estão nas
agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela
Natureza...
Chuva... tenho tristeza! Mas porquê?!
Vento... tenho saudades! Mas
de quê?!
Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta
amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso!!...
*Pequenina*
PEQUENINA
_À Maria Helena Falcão Risques_
És pequenina e ris... A boca breve
É um pequeno idílio cor de rosa...

Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!
Doce quimera que a nossa alma deve
Ao Céu que assim te fez tão
graciosa!
Que nesta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como
um perfume leve!
O ver o teu olhar faz bem à gente...
E cheira e sabe, a nossa boca, a
flores
Quando o teu nome diz, suavemente...
Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas
dores
Que fizeram de mim isto que sou!
*A Maior Tortura*
A MAIOR TORTURA
_A um grande poeta de Portugal_
Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e
dia...
E não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde
me deite!
E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa
nostalgia!...
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a
Mágoa no seu leite!
Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.


Sou, como tu, um riso desgraçado!
Mas a minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és,

Para gritar num verso a minha Dor!...
*A Flor do Sonho*
A FLOR DO SONHO
A Flor do Sonho alvíssima, divina
Miraculosamente abriu em mim,

Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em
ruína.
Pende em meio seio a haste branda e fina
E não posso entender como
é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!...
Milagre... fantasia...
ou talvez, sina...
Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes
os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!...
Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da
minh'alma
E nunca, nunca mais eu me entendi...
*Noite de Saudade*
NOITE DE SAUDADE
A Noite vem poisando devagar
Sobre a terra que inunda de
amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar
divinamente pura...
Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de
tortura...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a
Noite escura!
Porque és assim tão 'scura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite,
em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó Noite!... Ou
de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!
*Angústia*
ANGÚSTIA
Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!

Quem nos dera cá dentro, muito a sós,
Estrangular a hidra num
momento!
E não se quer pensar!... E o pensamento
Sempre a morder-nos bem,
dentro de nós...
Qu'rer apagar no Céu--Ó sonho atroz!--
O brilho
duma estrela, com o vento!...
E não se apaga, não... nada se
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