Lendas e Narrativas | Page 2

Alexandre Herculano
liberdade do pensamento, e que o engenho p?de apparecer �� luz do dia sem os anginhos de uma censura t?o absurda na sua indole, como estupida na sua applica??o e esterilisadora nos seus effeitos; nessa historia, dizemos, esta nova edi??o deve ser julgada principalmente com atten??o ao seu motivo, �� prioridade das composi??es nella insertas, e �� precis?o em que, ao escreve-las, o auctor se via de crear a substancia e a f��rma; porque para o seu trabalho faltavam absolutamente os modelos domesticos.
A critica para ser justa n?o ha-de, por��m, attender s�� a essas circumstancias: ha-de considerar tamb��m os resultados destas tentativas, que, a principio, �� licito supp?r inspiraram outras analogas, como por exemplo os "Irm?os Carvajales" e "O que foram Portuguezes" do Sr. Mendes Leal, e gradualmente incitaram a maioria dos grandes talentos da nossa litteratura a emprehenderem composi??es analogas de mais largas dimens?es, e melhor delineadas e vestidas. Todos conhecem o "Arco de Sanct'Anna", cujo ultimo volume acaba de imprimir o primeiro poeta portugu��s deste seculo, o "Um ano na C?rte" do Sr. Corvo, cuja publica??o se aproxima do seu termo, e o "Odio Velho N?o Cansa" do Sr. Rebello da Silva, ensaio que, se as eloquencias parvoas e semsabores dos dicursos academicos n?o tivessem tornado indecentes as allus?es mythologicas, se poderia comparar ao combate com o le?o de Citheron, que revelou �� Grecia no mo?o Hercules o futuro semideus; porque no Odio Velho come?a a manifestar-se o auctor da "Mocidade de D. Jo?o V", romance de que j�� se imprimiram algumas paginas admiraveis, mas que na parte inedita, que �� quasi tudo, nos promete um emulo de Walter-Scott. Emfim o "Conde de Castella" do Sr. Oliveira Marreca, vasta concep??o, posto que ainda incompleta, foi porventura inspirado pelo exemplo destas fracas tentativas, e das que, em dimens?es maiores, o auctor emprehendeu no Eurico e no Monge de Cister. Caracter grave e austero, dignos dos tempos antigos, e que a providencia collocou em meio de uma sociedade gasta e definhada por muitos generos de corrup??es, como uma condemna??o muda; homem sobre tudo de sciencia e consciencia, o Sr. Marreca trouxe estes seus dotes eminentes para o campo do romance historico, onde ninguem, talvez, como elle poderia fazer a Portugal o servi?o que DuMonteil fez �� Fran?a, isto ��, popularisar o estudo daquela parte da vida publica e privada dos seculos semi-barbaros, que n?o cabe no quadro da historia social e politica.
Taes foram, entre outros, os mais importantes resultados da introducc?o do genero. No meio deste amplo desenvolvimento de uma literatura nova no paiz, o auctor das seguintes paginas merecer�� talvez desculpa de recordar que estes ensaios, inferiores ��s publica??es que se lhe seguiram, foram a sementinha d'onde proveio a floresta. Seja-lhe pois licito consolar-se na sua inferioridade com haver precedido na ordem dos tempos aquelles que, na affei??o do publico, devem provavelmente faze-lo esquecer. Persuadido de ter por isso direito �� indulgencia, resolveu-se a transportar para o livro aquillo que, considerado em si, n?o mereceria talvez sair nunca das columnas do fugitivo jornal, salvando assim, n?o escriptos cuja aprecia??o exija largas paginas na historia litteraria, mas um marco humilde e tosco, que, nesta especie de litteratura, indique o ponto d'onde se partiu.

O ALCAIDE DE SANTAR��M (950--961)

I
O guadamellato �� uma ribeira que, descendo das solid?es mais agras da Serra Morena, vem atrav��s de um territorio montanhoso e selvatico desaguar no Guadalquivir pela margem direita, pouco acima de Cordova. Houve tempo em que nestes desvios habitou uma popula??o numerosa: foi nas eras do dominio sarraceno em Hespanha. Desde o governo do amir Abul-Khatar o districto de Cordova f?ra distribuido ��s tribus ��rabes do Yemen e da Syria, as mais nobres e mais numerosas entre todas as ra?as da Africa e da Asia, que tinham vindo residir na Peninsula por occasi?o da conquista ou depois della. As familias que se estabeleceram naquellas encoslas meridionaes das longas serranias chamadas pelos antigos Montes Marianos, conservaram por mais tempo os h��bitos erradios dos povos pastores. Assim no meiado decimo seculo, posto que esse districto fosse ass��s povoado, o seu aspecto assemelhava-se ao de um deserto; porque nem se descortinavam por aquelles cabe?os e valles vestigios alguns de cultura, nem alvejava um unico edificio no meio das collinas rasgadas irregularmente pelos algares das torrentes, ou cubertas de selvas bravias e escuras. Apenas um ou outro dia se enxergava na extrema de algum almargem virente a tenda branca do pegureiro, que no dia seguinte n?o se encontraria alli, se porventura se buscasse.
Havia, comtudo, povoa??es fixas naquelles ermos; havia habita??es humanas, por��m n?o de vivos. Os arabes collocavam os cemiterios nos logares mais saudosos dessas solid?es, nos pendores meridionaes dos outeiros, onde o sol, ao p?r-se, estirasse de soslaio os seus ultimos raios pelas lagens lisas das campas, por entre os raminhos floridos das sar?as a?outadas do vento.
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