Elegia da Solidão

Teixeira de Pascoais
A free download from www.dertz.in

The Project Gutenberg EBook of Elegia da Solidão, by Teixeira de
Pascoais
This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.net
Title: Elegia da Solidão
Author: Teixeira de Pascoais
Release Date: October 7, 2007 [EBook #22907]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
0. START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ELEGIA DA
SOLIDÃO ***
Produced by Vasco Salgado
TEIXEIRA DE PASCOAES
+Elegia da Solidão+
1920.
Tip. «Flor do Tamega»
Amarante.
+ELEGIA DA SOLIDÃO+
a Fernando Maristany
O incendio do sol-pôr exala um fumo rôxo
Que ás cousas vela a face...

A macerada flôr da solidão renasce;
O seu perfume é fria e branda

magua,
Bruma que já foi agua...
Todo sombra e luar esvoaça o
môcho;
Uma nuvem enorme, ao longe, no poente
Desvenda o
coração que se deslumbra
E abraza intimamente...
O silencio a
crescer, é onda que se espalha...
Sente-se vir o outomno; é já noitinha,
orvalha...
Nos êrmos pinheiraes gemem as _noitibós_
E vultos de
mulher, sumidos na penumbra,
Passam cantando, além, com lagrimas
na voz...
Ó tristeza do mundo em tardes outomnaes!
Longinqua dôr
beijando-nos o rôsto...
Crepusculo esfumado em intimo desgôsto,

Bôca da noite acêsa em frios ais...
Aparição soturna, vaga imagem

Do mêdo e do misterio...
Que solidão escura na paisagem!
Tem
phantasmas e cruzes,
Tem ciprestes ao vento e moribundas luzes,

Como se fosse um grande cemiterio.
Olho em volta de mim, cheio de mêdo... Tudo
É morta indiferença,
espectro mudo!
É o Verbo original arrefecido
Em fragaredos brutos
convertido;
Extinto _Fiat Lux_, cadaver que fluctua
No ceu
nocturno e fundo...
As almas que partiram d'este mundo
Voltam na
luz da lua.
São phantasmas em neve amortalhados,
Eternamente
tristes e calados...
São sonhos esvaidos, nevoa fria,
Perfis de fumo e
de melancolia...
Vagas formas de imagem ilusoria
Que a lua
merencoria
Molda em penumbra e cêra
Na noite transparente de
chimera.
E todavia eu sinto
Um acordar de instinto,
Um palpitar de viva
claridade
Em cada cousa obscura...
O aroma d'uma flôr quem sabe
se é ternura?
A noite não será phantastica saudade?

A deusa que
semeia estrelas no Infinito
E corôa de lagrimas divinas
A extatica
tragedia das ruinas,
Toda em versos de marmore e granito?

Misteriosamente
Sobe da terra um sonho transcendente;
Emanação
de mistica tristeza,
Como o fumo d'um lar
Que tem, junto do fogo,
alminhas a rezar.

Mas, ai, a Natureza,
Reservada e offendida, afasta-se de nós!
E na
sua mudez arrefecida
Congela a minha voz...
Um silencio mortal
separa-me de tudo!
E como a sombra tragica da vida,
Vou pelo
mundo além;
Enorme espectro mudo,
Monstruosa presença de
ninguem!
Vivo sósinho e triste, assujeitado
Ao meu phantasma
errante e desgraçado,
Em ermos de abandono;
Ermos de Portugal,

Onde a alma do sol divaga com o outomno
N'um sempiterno idilio
sepulcral.
Sou nada, e quero ser!
Quero ser tudo, e eu! Quero viver
A vida
misteriosa...
Interrogo o silencio e a noite rumorosa
De sombras e
segredos...
Contemplo comovido os astros e os penedos,
E fico a
ouvir as fontes n'um eterno
Queixume que ergue a voz durante o
negro inverno!
Passo horas a aspirar o aroma d'uma flôr;
Sombra
que eu vejo em pétalas de côr
Esparsas, ondeantes,
Nas virgens
claridades madrugantes.
E a pura sensação que me domina,
É qual
longinqua Apparição divina
Que me seduz e afaga...
E de estrela
em estrela é alma que divaga...
Quantas vezes me sento á beira d'um
abismo,
Sobre escarpados blócos;
E em mim perdido scismo...
E
ouço apenas cair nos tenebrosos fundos,
As lagrimas de luz que vêm
dos outros mundos
E a neve do silencio em negros flócos.
Absorvo-me na noite e no misterio;
Erro, ao luar, em êrmo cemiterio,

Sob as azas geladas do _nordeste_;
Interrogo na vala a sombra do
cipreste
Rumorosa d'um funebre desgosto,
Com gestos espectraes
ás horas do sol-posto...
E n'um doido, febril deslumbramento,

Vejo-me sepultado em pensamento
E durmo, durmo, durmo a
Eternidade...
Subito, acordo e volto á claridade!
Sáio da fria cova;
Uma sombra
infantil cái d'esta imagem nova
Que sobre mim baixou do sol a
arder...
Que alegria, meu Deus, tornar a ser!

E sinto um novo amor por tudo quanto existe!
Reso de joelhos vendo
a tarde triste,
Pintada a sangue, em longes de pinhaes...
Vendo
imagens de estrela em charcos de agua,
O oiro caido ao chão das
arvores outomnaes
E as nevoas, frias tunicas de magua,
Vestindo
outeiros nus...
Vendo o fumo de rusticas lareiras,
Onde ha velhas
fiando em negras preguiceiras
O livido lençol que as ha de amortalhar,

E rezam n'uma voz de sombra: _amen Jesus_...
E ficam-se a
scismar...
Lá fóra, ouve-se uivar phantastica alcateia
E andam
Bruxas a rir...
Rangem velhinhas portas,
Treme a luz da candeia,

A cinza sobe no ar, as brazas mortas
Começam a luzir...
Eu amo tudo: os ramos comovidos
Em diáfano marmore esculpidos

E esse velhinho tronco, em flôr, que renasceu
Ao sentir a
impressão azul que vem do ceu...
Com que ternura beijo a luz do dia,

Que em meus ouvidos de alma é lirica harmonia...
Tenho ocultas
palavras transcendentes
Para as nuvens somnambulas, dormentes,

Para a sombra nupcial e mistica d'um lirio,
Para a afflição da inercia
escrita n'um rochedo
E para a Dôr que faz gritar um arvoredo
Em
noites de delirio.
Mas este amor é grande soffrimento!
De
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 6
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.