As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes | Page 2

Ramalho Ortigão
quarto, fazendo algumas considera??es philosophicas e a barba, deliberei apear-me por algum tempo da azemola do poder.
Vozes de amigos intimos desapontados.--Oh! oh! N?o o cremos!... N?o o podemos crer!... é um gracejo, um puro gracejo de s. ex.a! Que a burra do poder venha á presen?a de s. ex.a para que s. ex.a a cavalgue! S. ex.a n?o pode assim descer da burra! Seria altamente impolitico deixar-nos n'este momento com a burra devoluta nos bra?os! deixar-nos, para assim dizer, com a burra atravessada na garganta! Haja ao menos um pretexto, haja uma raz?o!
O sr. presidente proseguindo: Quereis uma raz?o? Eu vol-a dou. Acho-me impossibilitado de proseguir provincias da publica administra??o além. á for?a de meditar nos altos negocios do estado acaba de me cahir um dente...
Vozes--Dê o dente para ordem do dia!
_O sr. presidente (tirando o dente da algibeira e collocando-o na discuss?o)_--Ahi tendes o dente. Abri sobre elle os mais largos e rasgados debates, e julgae-o como vos approuver. é um queixal. Nada mais acrescento. Sobre este ponto considera??es de melindre pessoal me inhibem de continuar. Farei apenas sentir aos meus amigos politicos e aos meus collegas do gabinete que nem a camara nem o paiz nem a cor?a poder?o, segundo penso, exigir da minha fidelidade partidaria que eu sacrifique á investiga??o dos negocios os dentes que o meu ardente patriotismo me imp?e a obriga??o de reservar para os inimigos da patria. Tenho dito.
(Vozes:--Muito bem! Muito bem!)
* * * * *
O sr. Manuel da Assump??o, havida ent?o venia para fallar, consta que estendera a dextra sobre o dente, e proferira com ardor e enthusiasmo as seguintes palavras:
?Meus senhores! Este dente é a pagina mais gloriosa da nossa historia. é effectivamente um queixal, como s. ex.a muito bem disse na sua phrase tersa, de uma energia e de uma concis?o dignas de Tacito. Ha oito dias que os jornaes que nos guerreiam lan?aram este dente na tela da discuss?o, procurando fazer acreditar ao paiz e ás na??es extrangeiras, por meio de insinua??es malevolas, que elle é canino. Mandando o dente para a meza o sr. presidente acaba de confundir de uma vez para sempre os seus adversarios. Queixal! Longa foi a tua carreira gloriosa. Enraizado no queixo de s. ex.a atravessaste com elle as mais duras prova??es de uma carreira brilhante. Roeste o p?o negro do ostrocismo. Atolaste-te na lampreia d'ovos das doces illus?es. Mascaste a cabedella dos terriveis desenganos. Depois de cada um d'esses estadios na senda dos progressos materiaes e moraes, s. ex.a, com m?o decisiva, palitava-te. Um dia porém, á meza do or?amento, no grande banquete da civilisa??o, n'esse campo de batalha onde se travam os combates incruentes do progresso e onde o talher de s. ex.a por muitas vezes fulgurou desembainhado ao sol das victorias, tu, depois de uma violenta refrega, com umas amendoas torradas de exercicios lindos, com uns biscoutos de gerencias anteriores, e com algumas outras verdades duras de tragar, appareceste furado. No dia seguinte s. ex.a chamava ás armas a reserva e um dentista, e tu, ó dente, recebias como os bravos o baptismo do chumbo. A bala inimiga....
O sr. Presidente--Tomo a liberdade de interromper o illustre deputado e meu nobre amigo para lhe fazer notar que o dente n?o recebeu o baptismo do chumbo sob a forma de bala, mas simplesmente sob a forma de pingo.
O orador--Do mesmo modo ent?o que um fundo de chaleira?
O sr. Presidente--Precisamente do mesmo modo.
O orador--Agrade?o infinitamente a s. ex.a a informa??o que acaba da prestar-me, e, se s. ex.a m'o permitte prosigo, pondo de pane a piada relativa á bala do inimigo...
Dente! cahiste alfim. A tua queda tem o caracter de um triumpho, pois n?o cahiste arrancado por uma opposi??o accintosa e malevola; cahiste porque tinhas os teus dias cheios e um pouco tambem porque estavas podre.
Que mais queres, ó dente? que mais desejas? que mais ambicionas?...
O sr. Presidente--Pe?o perd?o para ainda uma vez interromper o illustre deputado, rogando-lhe que n?o tome por incivil o silencio do dente ás suas interroga??es. O dente é hoje a primeira vez que apparece em publico separado dos seus companheiros, e deve-se ter em conta o justo acanhamento que a sua nova situa??o lhe infunde. Eu acho-me porém habilitado para satisfazer a curiosidade do illustre deputado em quanto ás ambi??es do dente logo que s. ex.a o exija.
O orador--Como deputado da maioria tenho a declarar ao sr. presidente que nunca dirijo ao governo, nem no seu conjuncto nem separadamente a nenhum dos seus queixaes pergunta alguma para que deseje resposta. As minhas interroga??es s?o puramente rhetoricas. O silencio com que fui escutado pelo dente n?o sómente me n?o escandalisa mas antes pelo contrario me penhora como um testemunho de benevolencia a que n?o ousava aspirar.
Concluindo, tenho a honra de propor que, depois de embrulhado respeitosamente em um papel, o dente
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